Havia caído ao fundo do poço e agora estava sentado na calçada, olhando o movimento dos passantes e pensando em que momento exatamente perdera o rumo. A roupa rota e suja era a perfeita antítese dos ternos que costumavam cobrir sua alva pele. Ele já pensara em suicídio, assalto, prostituir-se, mas se considerava um tanto quanto incapaz para tais atos. Sobrava então a inexistência que lhe condicionava a ficar sentado na calçada vendo o trânsito da grande cidade.
Neste momento uma pequena criatura se aproxima dele e se senta ao seu lado. Ele olha para seu novo companheiro e percebe que é um cachorro. Não um pastor alemão ou pequinês, mas o bom e velho vira-latas que ao seu lado acenava com o rabo.
– Parece que você está afim de um pouco de companhia – Disse ao cachorro enquanto afagava sua cabeça com uma das mãos. – Mas acho que não sou a melhor companhia pra ninguém nesse momento...
O cachorro apenas lhe respondeu com um latido e uma lambida que o acertou em cheio no rosto. Ele pensou em reclamar, mas por mais incrível que parecesse, gostou da demosntração de carinho (talvez a única em dias). Ele levantou e falou:
– Vamos garoto, temos que comer. Quem sabe não damos sorte num restaurante desses…
E seguem os dois andando como velhos conhecidos por entre as ruas da cidade. Entre paradas para conseguir comida nos restaurantes e trocados com os passantes, o homem e o cachorro em um caminhar uníssono e leve. Cada vez que vinha a lembrança da tragédia pessoal que havia trazido aquele homem àquela condição naquele dia, o cachorro, quase que instantâneamente realizava um gesto que distraia ou o alentava e desta forma o homem reflete que aquelas poderiam ser consideradas as horas mais alegres de sua vida desde que perdera família e emprego.
O final da tarde chega e traz o frio que pretende acompanhar a noite. O homem olha para o cachorro e nota que este sente tanto frio quanto ele. Olhando em volta, o homem começa a procurar por um abrigo, quando ouve uma voz feminina gritar:
– Bernardo!
Uma voz doce que lembrava a de sua esposa, ou melhor, da que mulher que fora sua esposa… Ele se vira para responder e percebe que uma mulher negra de cerca de 1,60 m se aproxima sorrindo. Antes que ele diga qualquer coisa, o cachorro corre na direção da mulher e pula sobre ela transmitindo toda a sua saudade. Ele sorri sem jeito.. “Pelo menos um de nós irá pra casa hoje” – pensa silenciosamente.
E quando ele se vira pra continuar sua peregrinação sozinho, a mulher fala novamente:
– Senhor! Desculpe incomodar, mas como posso agradecer por ter cuidado do Bermardo? Eu procurei esse cachorro por toda a cidade. Ele é.. era o melhor amigo do pai… O Bernardo fugiu ontem, logo após a morte dele…
– Não precisa agradecer. Ele é que cuidou de mim esse período…
– Faço questão de pelo menos pagar alguma coisa pro senhor comer, senhor..?
– Você não vai acreditar.. Mas me chamo Bernardo…
Ambos sorriem por um breve instante. Ela em seguida olha pra ele e diz:
– Olha, você não parece estar muito habituado à vida na rua… Se você quiser, eu posso te levar até um abrigo que eu conheço. Lé eles tem um trabalho de recolocação profissional e tudo. Te interessa?
Ele coça a cabeça. As coisas estavam ocorrendo tão rápido, tão magicamente que mais pareciam uma obra de ficção do que a dura realidade que o jogou às ruas há alguns dias atrás. Bernardo – o cachorro- late mais uma vez, como se incentivando o amigo. Ele então responde:
– Obrigado. Se a senhora não se incomodar… Os últimos dias tem sido muito duros. Se não fosse o xará aí… Não sei como teria terminado o dia de hoje…
– Então vamos andando, que o abrigo não fica longe e se chegarmos até as 20h ainda conseguimos uma boa janta para o senhor.
Seguem então lado a lado, a mulher e os dois Bernardos. O Homem olha para o cachorro e pensa em como um ser tão simples pode conter tanta bondade e sorte. A mulher olha para o homem e se pergunta sobre como aquele senhor havia chegado até aquele ponto e como será a vida dele a partir dali. Eu me reservo ao direito de apenas contar o que houve.
Como acaba a estória? Não sei.. Só cheguei até aí.
Final feliz? Infeliz? Um crime? Um casamento?
Fica a teu critério decidir.
julho 21, 2009 às 5:38 pm |
o bom e velho vira lata !
abrç
http://www.celebritypoke.blogspot.com
julho 21, 2009 às 5:41 pm |
quando se menos espera se faz um amigo…
se puder,visite meu blog:
http://pensamentossubentendidos.blogspot.com/
te cuida!boa semana!
julho 21, 2009 às 6:15 pm |
Há uma certa tendência ao casamento. Até porque seria difícil que o Bernardo – humano – se separasse do Bernardo – cão. A identificação entre os dois talvez possa chegar ao ponto da apresentada por Machado de Assis em “Quincas Borba”. Se os dois ficarem distantes, a mulher poderia fazer o papel de Rubião. Devaneios? Quem pode saber?
Abraços!
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julho 22, 2009 às 6:26 pm |
Talvez uma amizade.
Nunca me atraem esses amores que começam de forma tão… Estranha!
Bom texto, gostei!